sábado, 4 de abril de 2009

:: Aborto ::


QUEM É IRRACIONAL?

Nem sempre o aborto teve sua pratica recriminada. Geralmente ficava impune se não resultasse prejuízo à saúde ou a morte da gestante. Aristóteles e Platão aconselhavam o aborto (desde que o feto ainda não tivesse adquirido alma) para controlar os índices de crescimento demográfico ou populacional. Até Santo Agostinho pregava que o aborto só seria crime quando o feto já tivesse recebido alma, o que presumia ocorrer após 40 ou 80 dias de sua concepção. Anos mais tarde, a Igreja Católica eliminou tal distinção e passou a condenar radicalmente o aborto, aplicando o Direito Canônico a pena capital tanto a mulher como ao participante do aborto.

A grande discussão em verdade reside sobre a punibilidade ou não do aborto. E como é bem sabido, há os que se posicionam de maneira contrária como há os que são favoráveis a interrupção da gravidez.

Entre tantos argumentos, as pessoas favoráveis dizem que as mulheres são donas do próprio corpo e podem dispor deste da forma que melhor lhe convém. Aqueles que são contra reclamam o direito á vida. O nascituro não pediu para nascer e de forma alguma pode pagar com sua vida as inconseqüências de seus genitores ou pela fatalidade de um estupro. Os debates sobre este assunto são intermináveis e se tornam maiores na medida em que o aborto é considerado crime em muitos países.



No Brasil, o aborto é crime e está tipificado em nosso Código Penal na parte dos crimes contra a vida e tal crime é levado à júri popular. Nosso Código Penal só prevê a possibilidade de abortamento se não houver outro meio para salvar a vida do gestante e se a gravidez resultar de estupro. No mundo, a maioria dos abortos realizados, estima-se em aproximadamente quarenta e quatro milhões ao ano, são legais, praticados principalmente nos EUA, Canadá, quase toda a Europa e boa parte da Ásia. No resto estima-se que sejam realizados quinze milhões de abortos clandestinos, cerca de quatro milhões na América Latina, onde eles são responsáveis por trinta por cento dos óbitos maternos. A legalidade do procedimento tem, porém, grande repercussão sobre o índice de mortalidade materna. Na Romênia, por exemplo, onde o aborto foi proibido em 1966, a mortalidade materna subiu de vinte e dois para cento e vinte e oito mortes por cem mil nascidos vivos.

No global, os países em desenvolvimento respondem por noventa e nove por cento das quinhentas mil mortes maternas anuais, das quais entre cento e quinze a duzentos e quatro mil resultam das freqüentes complicações dos abortos ilegais, ou seja, vinte e dois a quarenta por cento das mortes maternas decorrem de abortos não previstos na lei. (Dados da OMS).

No Brasil morrem entre 400 e 1.095 mulheres por dia, vítimas de complicações decorrentes de um aborto clandestino malfeito. São a cada hora entre 17 a 46 mortes, que correspondem a 10% dos abortos praticados. Concentradas as mortes evidentemente nas camadas mais pobres. Pois quem tem condições de pagar entre R$ 400,00 e R$ 5.000,00 submete-se a clínicas clandestinas bem equipadas e com assepsias, que tornam os métodos da aspiração e curetagem seguros. É um negócio ilícito que só perde para o tráfico de drogas e o jogo do bicho, movimenta em torno de U$ 100.000.000,00, só no Rio de Janeiro.

Assim, são quase em média 270 mil brasileiras vítimas de abortos clandestinos por ano, metade são adolescentes. As estimativas mais otimistas são do Fundo de Populações, da Organização das Nações Unidas (ONU), e do norte-americano Guttmacher Institute (AGI), que calculam que o total de abortos feitos no Brasil em 1,46 milhão por ano. Já estudos da OMS, falam em 4 milhões. De cada 100, 42 apresentam complicações e 29 acabam hospitalizadas.

A título ilustrativo comparemos o Brasil com outros países: em proporção à população de mulheres em idade fértil, se realizam no Brasil sete vezes mais abortos que na Holanda, três vezes mais que no Canadá, duas vezes e meia mais que na Inglaterra e uma vez e meia mais que nos EUA, todos países em que o aborto é legal.

No Brasil, como ficou demonstrado o aborto é ilegal, salvo duas exceções, no entanto é adotado em larga escala, respondendo por 11% das mortes maternas segundo o IBGE.

As proporções do problema no Brasil evidenciam a hipocrisia da proibição. Mantidos os atuais índices, ao longo dos próximos dez anos se terão realizado no nosso País, segundo estimativas otimistas 14 milhões de abortos; e segundo as mais pessimistas 40 milhões. Mesmo atribuindo metade a mulheres reincidentes, isto significa que, de cada quatro brasileiras, no mínimo uma, não-esterilizada e em idade fértil, fará ao menos um aborto na próxima década. Nada menos que 7 milhões de mulheres, pelos dados cruzados do IBGE, Ministério da Saúde e ONU. Projetando as estimativas mais pessimistas, nesse período 70% delas (20 milhões) terão passado pela experiência (dados cruzados do IBGE, Ministério da Saúde e OMS).

Ou seja, aborto faz parte do dia-a-dia das brasileiras. Mesmo daquelas que, em princípio, acham a idéia inaceitável.

Mais grave é o Congresso estudar proposta de reforma constitucional (PEC 25) que elimina toda forma de aborto legal em nome do direito absoluto à vida.

No mínimo uma contradição para o país que subscreveu a Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial sobre a Mulher, documento no qual se comprometeu a estudar a revisão das leis que punem as mulheres que se submetem a abortos ilegais. Ainda, no ano anterior, na Conferência Mundial sobre População, da ONU, o Brasil se comprometeu a não promover o aborto como método contraceptivo. Mais sim a encara-lo como problema de Saúde Pública; e a promover o planejamento familiar e o auxilio às mulheres que tenham uma gravidez indesejada, a fim de evitar os efeitos nocivos dos abortos ilegais.

A questão do Aborto no Brasil se pode traduzir por uma cruel equação: falta de apoio social para o exercício da maternidade + falta de um programa de planejamento familiar que eduque, oriente e ponha ao alcance da população métodos anticoncepcionais eficientes. O Resultado é que a maioria das brasileiras se vê diante de uma difícil escolha. Assim temos que ser categóricos: quem quer combater o aborto deveria lutar por uma política democrática de planejamento familiar, contra a discriminação social da grávida solteira, pela manutenção do emprego das grávidas e pelo acesso a um serviço de creche eficiente para as mães que trabalham, alem de proporcionar as mulheres o exercício da cidadania plena. Criminalizar penaliza a vítima. Não acredito que ninguém defenda o aborto em si, a não ser aqueles que enriquecem com a prática clandestina. Acredito também que nenhuma mulher tem prazer em fazer aborto. Para todas é um trauma psíquico, maior ou menor segundo o apoio emocional que recebem.

O poder Judiciário, sempre tido como mais conservador, anda na frente do Legislativo Brasileiro, nesta questão do aborto. Afinal, nos últimos anos juizes de quase todos os Estados emitiram centenas de autorizações para o aborto eugênico, como terapêuticos de fetos com graves problemas de malformação, poupando muitos casais do sofrimento de levar a termo uma monstruosidade. O caso não está previsto no Código Penal, redigido em 1940, quando não existiam diagnósticos pré-natal. Mas quase todos os juizes levam em conta o anacronismo da lei em relação aos avanços da ciência. Talvez os Legisladores e chefe do Executivo devessem aprender com o exemplo dos juízes.

Pensamos que o legislador brasileiro deve agir muito rapidamente para alavancar as mudanças que a sociedade clama, pois, quando o direito ignora a realidade, a realidade se vinga, ignorando o direito (Ripert) e é o que ocorre, em nosso País, milhares de abortos são praticados e milhares de vidas desaparecem por inércia dos agentes públicos.

Referências:

  • Senado Federal - Brasil http://www.senado.gov.br/sf
  • Centro Feminista de Estudos e Assessoria http://www.cfemea.org.br/
  • Manual de Direito Penal. Julio Fabbrini Mirabete, Atlas, 1993
  • Código Penal Comentado. Celso Delmanto, Renovar, 1999.
  • Aborto. Regina de Castro, Mauad, 1997.
  • Revista Atenção, Fevereiro de 1996.

Equipe: Cristiniane Reis, Luana Alves e Lidiane Barros.

Um comentário: