domingo, 5 de abril de 2009

:: Direitos Individuais e Coletivos ::

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A individualização dos direitos coletivos como solução ao caos institucional na saúde.

A Constituição Federal brasileira de 1988, conhecida por suas conquistas em âmbito social, político e institucional, garante em seu artigo 196 que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. Isso sem falar no célebre artigo 5º da utópica Carta Magna, que reza a igualdade de todos perante a lei, sem distinção de qualquer natureza.

São belíssimos artigos, sem dúvida, mas que guardam profundos contrastes se comparados à dura realidade na qual vive a maioria dos brasileiros. A inércia do Estado e sua nítida incapacidade em assegurar um direito coletivo tão elementar e essencial ao bem estar das pessoas, contribui significativamente para a degradação de um sistema problemático, representado pelas filas gigantescas em hospitais, que, por falta de leitos, atendem aos pacientes nos corredores, sem qualquer compromisso com o bem estar e a dignidade das pessoas, que, segundo o dispositivo constitucional supramencionado, “são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. Bem, literalmente não é o que temos visto.

Nesse lúgubre e caótico contexto de abandono, o Estado tornou-se alvo de diversas ações judiciais visando unicamente o cumprimento dos direitos garantidos pela Constituição Federal, previstos à coletividade, mas renegados pelo ente estatal, que só se vê obrigado a cumprir tais obrigações mediante a intervenção do Pode Judiciário em benefício daqueles que o acionam, comprovando a eficácia do sistema de freios e contra-pesos proposto por Montesquieu.

Entretanto, essa saída não resolve o problema em sua essência, sendo um paliativo vicioso, que não pode tornar-se via de regra para que o Estado cumpra com seu dever, a legítima contrapartida por ter-nos subtraído a liberdade e o poder individual no polêmico momento de sua criação, visto que o contrato social nada mais é do que o reconhecimento de que o nocivo estado de natureza levaria a humanidade à auto-destruição. A iminência da morte e o caos permanente estão na gênese da fundação do Estado moderno, que passa a submeter as pessoas ao seu domínio, em troca de paz, segurança, saúde, proteção, educação e todas as necessidades inerentes ao bem estar social.

Mas o Estado, pelo que se observa, ainda não compreendeu a totalidade de suas responsabilidades. As intervenções judiciárias, obrigando a administração governamental a observar seus deveres infraconstitucionais, tem se tornado muito comuns nos últimos anos.

Em 2006, o Governo de Santa Catarina foi obrigado a custear um tratamento médico a portadora de uma anomalia dentofacial funcional, que necessita três intervenções cirúrgicas de alto custo. Entretanto, o Estado alegou que em ação civil pública que beneficia apenas um único indivíduo inexiste direito subjetivo. Mas o Tribunal de Justiça em Florianópolis entendeu que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas, e que a falta de dotação orçamentária específica não pode servir de obstáculo à aquisição e ao fornecimento dos medicamentos ao doente necessitado. A determinação foi aprovada por unanimidade na mais alta corte da Justiça catarinense.

Em 2008, em decisão similar, a justiça pernambucana obrigou o Estado a custear o tratamento de um jovem universitário baleado em uma tentativa de assalto na violenta cidade de Recife. Os desembargadores entenderam que, além da obrigação de garantir saúde a todos, o Estado foi omisso e ineficiente em sua função de proteger os cidadãos, atingindo diretamente seu direito de ir e vir com segurança e dignidade.

Decisões como estas são a prova incontroversa de que a intervenção do Poder Judiciário tem sido fundamental para que o Estado cumpra as diversas disposições constitucionais consagradas pela Constituição Federal há 21 anos, mas ainda renegadas e erroneamente transformadas em plataforma política no discurso falacioso daqueles que lutam como lobos famintos pelo poder momentâneo e transitório de uma fração do “pálido ponto azul” no qual vivemos.

Mas será que cada um de nós terá de ingressar com intermináveis ações judiciais para desfrutar de direitos que já se encontram positivados em nossa Lei Maior? Tal individualização, como dito, não resolve o problema por completo, restringindo-se a casos isolados de abrangência mínima, diferentemente das garantias coletivas, que envolvem a totalidade da população brasileira.


Espera-se simplesmente que o Estado não se acostume a cumprir somente as decisões que lhe forem coercitivas, sob pena de mortificação e sepultamento irreversível das garantias há muito conquistadas.

Referências:

Vídeos:

Crítica ao mutirão criado pelo Ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (Situação Carcerária no Brasil)

http://terratv.terra.com.br/templates/channelContents.aspx?channel=2481&contentid=229862


Equipe:
Walace Aquino Ferreira, Adriana Santos Artuzo, Ana Carolina Silva e José Antônio Toledo.

Um comentário:

  1. Muito bom!!
    A acepção de tratamento do Estado ao brasileiro ocorre em dois momentos:
    Uma no instante da omissão da responsabilidade do Estado em atender as demandas sociais de menos favorecidos em detrimento dos mais abastados; e repete no momento de ação do Estado a um atendimento isolado a um indivíduo sob força coercitiva. Ambas situações são acepções que fraudam o cidadão de seus direitos.
    Esta incursão duplicada de erro por parte do Estado remete à ponderação a qual vocês citam no artigo:
    O Estado não respondendo às solicitações inerentes às suas responsabilidades, demonstra um Estado falido ou a caminho de uma falência total...
    Edson

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